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Juliette Gréco

Juliette Gréco

Em busca do grande perfil: leitura dos perfis de Pablo Picasso, Juliette Gréco e Jean-Paul Sartre em Retratos Parisienses, de Rubem Braga (José Olympio Editora).

A escrita da matéria

Depois de feita a(s) entrevista(s), é importante você atentar à hierarquia de informações. Isso também molda o trabalho gráfico, o layout, as fotografias, os infográficos, os gifs animados – ou, ao contrário, tudo isso pode ser moldado pelo design. Você pode, por exemplo, seccionar um texto em vários parágrafos, pode publicá-lo em um bloco só, pode numerá-lo, pode organizá-lo através de intertítulos chamativos, pode apelar ao formato clássico, pode animar o texto (em se tratando de matéria pra tablet ou celular)… isso tudo depende de onde você for publicar.

É de suma importância o esqueleto da matéria (ou de alguma organização prévia para não se perder na montanha de informações – o modelo de organização é pessoal, vai de cada um). Assim, antes mesmo de escrever, desenhe o seu texto, esquematicamente:

• O abre. É o começo de tudo. O caboclo vai ler ou não a parada dependendo do trio título-olho-abre. Vender bem um texto ou o velho lidão quem-que-onde-quando-porque-como? É possível juntar as duas coisas, por que não? Abre é espaço de criatividade que pode ser raro no decorrer da matéria, dependendo da publicação. Você pode escrever um abre para se deixar levar e, depois, ao fim do esqueleto, e depois, da edição, escrever um novo abre. Ou seja, o abre é a primeira e a última coisa que escrevemos.

• Na sequência, você faz um desenvolvimento mínimo dos pontos daquele abre que não ficaram suficientemente abrangentes por problema de espaço. Vai destrinchando o assunto, sempre à frente o que é mais importante e urgente.
Depois seguem os procedimentos futuros com relação ao assunto da pauta:

• a lembrança de fatos anteriores que levaram àquele acontecimento;

• a lembrança de fatos históricos;

• até o fecho que, preferencialmente – eu gosto muito desse modelo clássico – nos remete ao abre. É a matéria circular. Fecho é um espaço de pura criatividade, como pode ser o abre. É a última impressão, em que você fica, ou não fica, na memória do leitor.

Bom, feito o esqueleto, organizadas as informações, perca um bom tempo naquela que pode ser a única linha que seu leitor vai ler do seu texto: a primeira.

Começar do começo: copiemos os mestres da literatura

Pense em formas inusitadas de chamar atenção. Como: falando direto com o leitor. Com uma tese estranha. Com uma descrição intrigante. Com uma frase provocadora. Com uma ação rápida. Com um diálogo. Com um trocadilho. Com um episódio bizarro. Com uma onomatopeia. Com um grito. Com um chamado.

Eu gosto sempre de começar com uma CENA.

A única regra da primeira frase é: DRAMATIZE. A primeira frase já traz em si um pequeno drama, uma célula narrativa. Ela é a faísca da ação do seu texto [“Quando despertou de sonhos intranquilos, Gregor Samsa viu-se transformado em um monstruoso inseto” – Kafka, “A metamorfose”, melhor primeira linha da história da literatura].

Às vezes a primeira frase é direta com o leitor. Ou se dirige para um outro personagem que está na cena mas ainda não sabemos quem é [“Tiros que o senhor ouviu não vieram daqui não” – Guimarães Rosa, Grande Sertão: Veredas].

Às vezes o melhor modo é direto. Às vezes é o indireto, o oblíquo, o misterioso. Depende da história que você quer contar. A primeira frase já traz em si o texto inteiro.

Dica: às vezes a primeira frase não é a primeira frase. Tente começar uma história com um Era Uma Vez. E depois tire o Era Uma Vez. Ou tente eliminar o primeiro parágrafo. Se ele era inútil, o segundo parágrafo pode se tornar o primeiro.

Bibliografia de Primeiras Frases Matadoras

Romance

Campos de Carvalho, A lua vem da Ásia [José Olympio]

“Aos 16 anos matei meu professor de lógica.”

Italo Calvino, Se um viajante numa noite de inverno [Cia das Letras]

“Você vai começar a ler o novo romance de Italo Calvino, Se um viajante numa noite de inverno.”

Reportagem

Robert McG. Thomas Jr. [O livro das vidas, Cia das Letras]

“Helen Bunce, que tricotava tantas luvas que não sabia o que fazer se não estivesse tricotando mais luvas, morreu numa casa de repouso em Watertown, Nova York, onde era conhecida como a Dama das Luvas.”

“Thyra Johnson, uma dona-de-casa de New Hampshire de pele clara e olhos azuis que se tornou símbolo da tolice das distinções raciais quando ela e o marido declararam que eram negros, morreu aos 91 anos em sua casa em Honolulu.”

Tom Wolfe, Décadas púrpuras [L&PM]

“Ha-ha-ha-ha-ha-ha-ha-ha-ha-ha-ha-ha-ha-ha-ha-ha-ha-ha-ha-ha-ha-ha-ha-ha-ha-ha-ha-ha-ha-ha-ha-ha-ha-ha-ha-ha-ha-ha-ha-ha-ha-ha-ha-ha-ha-ha-ha-ha-ha-ha-ha-ha-ha-ha-ha-ha-ha-ha-ha-ha-ha-ha-ha-ha-ha-ha-ha-rryyyyyyyyyyyyyyyyyyyyyyy!” [in “As vozes do Village Square”]

“Franjas longas crinas cabeleiras eriçadas bonés de Beatle rostos untuosos cílios postiços delineadores plásticos suéteres bufantes sutiãs meia-taça couro surrado blue jeans calças justas jeans arrochados bumbuns doces e suculentos pernas éclair botinhas de duende sapatilhas pantufas palacianas, centenas delas, estes brontinhos tão esfuziantes, saltitando e gritando, zanzando freneticamente dentro do Academy of Music Theater debaixo daquele velho e amplo domo rosa-amarelado lá no alto – não são super-fantásticas?” [in “A garota do ano”]

“No espaço de cinco minutos, ou dez minutos, não mais que isso, três outras tinham telefonado para ela para perguntar se ela sabia se tinha acontecido alguma coisa por lá.” [in “Os anjos”]

Conto

Rubem Fonseca [Cia das Letras ou Agir]

“Eu queria seguir em frente mas não podia.” [in “A força humana”, A coleira do cão]

“Consigo agarrar Rubão, encurralando-o de encontro às cordas.” [in “O desempenho”, in Lúcia McCartney]

“Existem pessoas que não se entregam à paixão, sua apatia as leva a escolher uma vida de rotina, onde vegetam como ‘abacaxis numa estufa’, como dizia meu pai.” [in “Pierrô da caverna”, O cobrador]

Paul Bowles, Um episódio distante [Alfaguara]

“O pôr do sol de setembro estava mais vermelho que nunca na semana em que o Professor resolveu visitar Aïn Tadouirt, que é uma terra quente.” [in “Um episódio distante”]

“Nossa civilização está condenada a uma vida curta: suas partes componentes são heterogêneas demais.” [in “Páginas de Cold Point”]

Charles D’Ambrosio, O museu do peixe morto [Grua]

“Como eu poderia saber que uma simples menção ao suicídio levaria o pelotão de médicos plantonistas naquela sexta-feira a cassar não apenas minha preciosa licença de fim de semana, mas também o meu direito de mijar sem testemunhas?” [in “O roteirista”]

“Lance sumiu atrás da porta branca do sanitário masculino, quando voltou, minutos depois, estava completamente transformado.” [in “O esquema geral das coisas”]

Roberto Bolaño, Putas assassinas [Cia]

“Parece mentira, mas nasci no bairro dos Empalados.” [in “Prefiguração de Lalo Cura”]

“Não era Rimbaud, era só um menino índio.” [in “Dentista”]

“Tenho uma notícia boa e uma má.” [in “Retorno”]

“– Vi você na televisão, Max, e disse comigo: este é o meu tipo.” [in “Putas assassinas”]

“Vejam como são as coisas: Mauricio Silva, vulgo o Olho, sempre tentou escapar da violência, mesmo com o risco de ser considerado covarde, mas da violência, da verdadeira violência, não se pode escapar, pelo menos não nós, os nascidos na América Latina na década de cinquenta, os que rondávamos os vinte anos quando morreu Salvador Allende.” [in “O Olho Silva”]

Peter Esterházy, Uma mulher [Cosac Naify]

“Há uma mulher.” [in: todos os 97 contos]

Conto-ensaio

Geoff Dyer, Ioga para quem não está nem aí [Cia das Letras]

“Em 1991 vivi algum tempo em Nova Orleans, num apartamento na Esplanade, logo depois do Bairro Francês, onde de tempos em tempos turistas ingleses são assassinados por se recusarem a entregar suas câmeras de vídeo aos assaltantes enlouquecidos pelo crack que moram ali perto.” [in “Deriva horizontal”]

“A única vez que vi um cadáver foi em South Beach, no coração do chamado distrito Art Déco.” [in “Desespero da art déco”]

“Por motivos que não merecem ser lembrados, houve um tempo em que acreditei que a única maneira de eu chegar a escrever um livro do qual eu quase desistira seria ir morar em Detroit.” [in “A chuva interior”]

Crônica

David Sedaris, Eu falar bonito um dia [Cia das Letras]

“Para mim, meu pai sempre teve o jeitão de quem, nas circunstâncias corretas, poderia ter inventado o forno de microondas ou o rádio transistor.” [in “Engenharia genética]

“Nunca fui desses americanos que apimentam a conversa com frases francesas e distraem os convidados com fatias de brie.” [in “Te vejo de novo ontem”]

“Estou pensando em fazer um paletozinho para meu rádio-relógio.” [in “Show da madrugada”]

Antonio Prata, Meio intelectual, meio de esquerda [Ed. 34]

“Aos dezessete anos eu sonhava com um mundo onde ninguém, em hipótese alguma, falasse sobre o tempo.” [in “O piano”]

“Você não acha estranho que existam os outros?” [in “Os outros”]

“Você não acha incrível que os prédios não caiam?” [in “Prédios”]

“Eu sou meio intelectual, meio de esquerda, por isso frequento bares meio ruins.” [in “Bar ruim é lindo, bicho”]

“Toda vez que vejo a tabuleta no carrinho de supermercado do prédio – ‘Não sei voltar sozinho, meu lugar é na garagem’ – , sinto um pendor para o vandalismo. [in “All Disney”]

“Meu senhor, minha senhora, desculpe tocar no assunto, mas você vai morrer.” [in “Ornitorrinco”]

“Muitas vezes a gente só percebe que algo não vai bem quando já saiu completamente de controle.” [in “Brilhante do Togo”]

Ah, sim, o exercício…

Pensou na personagem? Pois bem: anote o seu nome escolhido num papelzinho, corte, dobre, junte com os dos colegas em um cesto. Após o sorteio, você pegará o personagem que ganhou e o perfilará entre 4 e 6 mil toques no máximo, usando o nome do seu colega como “apoio” para uma visita imaginária (ele pode ser um personagem coadjuvante) ao perfilado. Mesmo que ele seja um personagem inacessível, proceda a todos os mandamentos da apuração dichavados acima. Trata-se de um enlace entre a não-ficção (as informações sobre o perfilado devem ser estritamente corretas) e a ficção (a visita em si). O importante é escrever sobre ele não como um verbete da Wikipedia, e sim o contrário, como se você seu leitor nunca tivesse ouvido falar do sujeito, como se ele tivesse acabado de descer à Terra e fosse a pessoa mais importante do mundo. E, na verdade, ela é: é o centro do seu texto.

Após o sorteio, assim foram distribuídos os perfilados:

Perfil de José Mojica/ coadjuvante James — escrito por Adriana
Kita/ Adriana— Felipe
Vincent Gallo/ Fred — Valéria
Chico Buarque/ Valéria — Ricardo
Quentin Tarantino/ Mônica — Giulia
Chico Buarque/ Giulia — Mariana
Papa Francisco/ André — James
Haruki Murakami/ Ricardo — Rafael
Nick Hornby/ Rafael — Mônica
Luís Carlini/ Carlos — Fred
Papa Francisco/ Mariana — Xavier
Tite/ Felipe — André
Zé Dirceu/ Xavier — Carlos
Heitor Dhalia/ Lívia – Bruna
Milton Hatoum/ Fred – Livia
Clint Eastwood/ Bruna – Fred L

Lembrando que semana que vem teremos a visita de Neco Benedykt e Thiago Rosenberg, editores da revista independente Efêmero Concreto.

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